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NA NOITE, OS ANEIS DE SATURNO, abril 2014.

Gê Orthof

Melancolia? Suspensão de desejo? Desejo suspenso… em uma ponte pênsil…  No céu da noite cinza, se poderia achar os anéis de Saturno. Da casa que pisca seus  cílios para o que vem antes dela, o caminho suspenso leva para longe, para uma paisagem possível, inscrita no cartão postal. Siga o deslocamento íngreme, siga a luz vermelha! Como um Jano contemporâneo, olha-se para trás e para frente: passado e futuro ancoram a experiência do passeio do agora. Sobre o chão, flutua a casa-palafita. Sem alicerce, ela (quase) toca o solo. “Um é só”…. a estrutura que sustenta a caminhada imaginaria nos adverte. É preciso dar um nome à morada para se ter de onde sair ( e para onde voltar). Mas não um nome qualquer. Há que acertar, que acercá-la de fato, com o recobrimento da palavra. ]noturno[  … Assim são as caminhadas feitas no campo do onírico, abrem-se… aos imprevistos. Nada é certo (nem o horizonte distante que faz a promessa impressa no cartão postal). É possível que não se encontre o que se espera. É possível que o postal siga adormecido na posta restante. Espera melancólica do esquecido…[soturno] …Etimologicamente é tributário de Saturno, o planeta dos anéis, designação antiga do chumbo (como o cinza nórdico das paredes)e o deus do tempo (Cronos). Expulso do Olimpo por seu filho, elege o Lácio como sua morada (e sabe-se que o regente do Lácio é Jano). Lá onde nasce nossa lingua-morada. Não há volta possível, não há para onde voltar. O que há para fazer é vestir-se de lembranças… é construir o lar no exílio. Melancolia. A arquitetura (e a engenharia) de Gê Orthof nos convida a uma imersão-deslocamento. Ao transpor a porta da galeria, o que sabemos do tempo e das relações espaciais cai por terra. O que está posto na delicada estrutura de balsa, papel e palavras é que não há nada mais solitário do que deixar-se levar pela provocação imaginária, lá onde a narrativa não aparece na lógica de Cronos-Saturno, mas por fragmentos, vestígios presentes daquilo que se supõe estar entre os cílios e o postal, entre o passado e o devir.

Marília Panitz